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Entrevista: jurista Sofia Lima comenta o novo apoio à renda

O apoio extraordinário à renda, aprovado pelo Governo em março, começa a ser pago em maio. Sofia Lima, jurista da DECO PROTESTE, comenta esta medida.

 

O Governo aprovou um apoio extraordinário à renda que atribui um montante mensal de até 200 euros, durante um período máximo de cinco anos, a famílias com uma taxa de esforço superior a 35 por cento. Caso o valor seja inferior a 20 euros mensais, será pago a cada seis meses.

O apoio deverá começar a chegar às famílias em maio. A PROTESTE CASA pediu à jurista Sofia Lima, especialista em diversas áreas, com destaque no direito do consumo, arrendamento e condomínio, para comentar esta medida incluída no pacote Mais Habitação.

No que consiste o apoio extraordinário à renda que foi aprovado em Conselho de Ministros a 16 de março de 2023?

Trata-se de uma medida aprovada no âmbito do Programa Mais Habitação. Já se encontra em vigor e visa mitigar um dos principais problemas no mercado do arrendamento, isto é, rendas incomportáveis ao orçamento da maioria dos agregados familiares.

Um dos principais problemas detetados refere-se à taxa de esforço do rendimento das famílias face ao valor da renda, sendo certo que essa taxa de esforço é muito superior ao desejável, e que corresponde a 35 por cento. Para agudizar ainda mais este problema, muitas famílias não têm acesso ao crédito à habitação, inviabilizando a possibilidade de compra de casa. O arrendamento é a única solução.

Ora, a fim de aliviar o orçamento das famílias, o Governo criou um apoio extraordinário, o qual terá um valor máximo de 200 euros mensais.

A quem se dirige esta ajuda?

Dirige-se a todos os arrendatários com residência fiscal em Portugal e com contrato de arrendamento (ou subarrendamento) para primeira habitação celebrado e registado nas Finanças até 15 de março de 2023. Existem outros requisitos, já que os beneficiários do programa não podem ter rendimentos anuais que ultrapassem o sexto escalão do IRS, ou seja, até 38 632 euros. Além disso, devem apresentar uma taxa de esforço igual ou superior a 35 por cento do rendimento anual com o encargo anual de rendas.

Os critérios de atribuição são justos, ou seja, não vão deixar ninguém em dificuldades de fora?

Os critérios de ponderação têm em consideração os rendimentos (até ao sexto escalão) e, conforme referido, a taxa de esforço de 35 por cento. Contudo, também pode beneficiar deste apoio quem não é obrigado a entregar a declaração anual de IRS, embora tenha rendimentos de trabalho declarados à Segurança Social. Podem igualmente ter acesso a este apoio os beneficiários de prestações sociais, designadamente, pensão de velhice, prestação de desemprego ou rendimento social de inserção, desde que o rendimento anual do agregado não seja superior ao sexto escalão do IRS.  

Uma vez que o apoio deverá, segundo o Governo, começar a ser pago em maio, em breve os beneficiários deverão ter conhecimento do valor do apoio a que têm direito. Vale a pena confirmar se está correto?

O apoio será apurado oficiosamente, pelo que os beneficiários não necessitam de o solicitar. Ainda assim, convém sempre confirmar se o valor está correto. Lembro que o pagamento tem efeitos retroativos a janeiro, ou seja, o apoio será pago desde 1 de janeiro.

 

Sofia Lima considera que o apoio à renda pode ser um alívio para muitas famílias, embora em determinados casos o valor possa ser inferior a 20 euros.

 

Como podem os beneficiários confirmar se o valor que vão receber está correto?

Para saber o valor, têm de fazer alguns cálculos. Primeiro, têm de apurar o rendimento médio mensal do agregado familiar. Convém consultar o campo 9 da nota de liquidação do IRS, que indica o rendimento para determinação da taxa de IRS. Esse valor deve ser dividido por 14. Depois, calcula-se 35% do valor obtido.

O apoio corresponde à diferença entre a renda mensal, ou seja, o valor de renda declarado à Autoridade Tributária, e o valor apurado com os cálculos anteriores.

ALERTA: O rendimento anual utilizado no cálculo do apoio à renda está a ser apurado com fórmula ilegal. Saiba mais e reclame se for prejudicado.

E se um arrendatário não receber a comunicação, mas considerar que tem direito ao apoio, como deve proceder?

Nesse caso, sugerimos o contacto junto do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), uma vez que o apoio é atribuído oficiosamente por esta entidade.

O apoio será pago pela Segurança Social apenas através de transferência bancária, mas há consumidores que criticam esta obrigatoriedade. Concorda?

Por norma, todos os interessados têm conta bancária, pelo que se afigura razoável que o pagamento seja realizado por transferência bancária. Aliás, salvo algumas exceções, o pagamento de rendas é realizado por transferência bancária, sendo que os contratos de arrendamento referem o NIB do senhorio, para que se proceda à transferência do valor da renda mensal.

Contudo, à semelhança do que sucedeu para apoios anteriores, a DECO PROTESTE considera que deveria ter sido contemplada a possibilidade de o envio ser realizado por vale postal.

Está previsto que a ajuda termine a 31 de dezembro de 2028. É esperado que, nessa altura, as dificuldades para pagar as rendas tenham sido ultrapassadas?

A crise no setor da habitação é grave e abrange não só o arrendamento como o crédito à habitação. Aliás, o diploma que criou o apoio extraordinário ao pagamento das rendas também prevê medidas de apoio aos contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria e permanente.

Não é expectável que as medidas aprovadas surtam efeitos imediatos, motivo pelo qual este apoio extraordinário tem uma aplicação temporal relativamente longa. O mercado do arrendamento em Portugal assume inúmeras assimetrias. A título de exemplo, o valor das rendas é demasiado elevado e o prazo da maioria dos contratos de arrendamento é muito reduzido. Contudo, há que ter em consideração que qualquer alteração ao nível da legislação poderá afetar a oferta no mercado do arrendamento, a qual é, como se sabe, parca. Por essa razão, justifica-se este prazo dilatado, até que se concretize a desejável estabilização deste mercado.  

No geral, qual é a sua opinião sobre esta medida do Governo?

Tratando-se de um apoio à renda, é inegável que a mesma poderá representar um alívio para muitas famílias. Mas a extensão desse alívio irá depender do valor da renda e do valor do apoio, já que, em determinados casos, este não será muito expressivo. Note-se que, em teoria, o valor pode ser inferior a 20 euros.

A aplicação destas medidas deverá ser avaliada passado um determinado período temporal, a fim de se constatar os seus efeitos práticos. Por outro lado, há que ter em consideração que, no âmbito do arrendamento, existem outras medidas que se encontram em discussão, as quais, caso venham a ser aprovadas, também poderão ter um impacto bastante significativo no mercado do arrendamento.

 

Saiba mais sobre esta e outras medidas ainda em discussão para o mercado do arrendamento em Portugal: Apoio ao arrendamento: quem tem direito a rendas protegidas?